OS 60 ANOS DA DEDICAÇÃO DO ALTAR-MOR DA IGREJA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS EM BELÉM DO PARÁ
OS 60 ANOS DA DEDICAÇÃO DO ALTAR-MOR DA IGREJA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS EM BELÉM DO PARÁ
No próximo dia 18 de maio, completar-se-ão exatamente 60 anos da sagração do Altar-mor de nossa igreja de São Francisco de Assis em Belém do Pará. Trata-se de uma data faustosa e solene, a recordação de um evento memorável, talvez ainda presente na mente de muitos fiéis e paroquianos que acorrem a este templo sagrado na metrópole belemense. Para tanto, convém agora fazermos uma breve memória histórica, a fim de que as sucessivas gerações, que por muitas vezes rezam cotidianamente neste recinto sagrado possam descobrir as origens desta beleza singular, que chama a atenção e prende a vista de todos que adentram nossa igreja-santuário.
Diretamente do livro de Tombo da então Custódia Capuchinha – que se encontra nos arquivos da Cúria Provincial no Convento do Carmo em São Luís – podemos observar que o diligente cronista narrou, no exato dia 18 de maio de 1958, a crônica da sagração do novo Altar do Santuário de São Francisco em Belém do Pará, oficiada pelo então Arcebispo Dom Alberto Gaudêncio Ramos.[i]
A iniciativa de tão nobre empreita partiu da Ordem Franciscana Secular, que quis celebrar de modo significativo as bodas de ouro de sua fundação (ocorrida em 1908 por Frei Mansueto de Peveranza). O responsável pela ereção do majestoso altar foi o então Guardião e reitor da igreja Frei Cosme de Borno. O periódico “A Voz de São Francisco”, por meio de Frei Davi de Miritiba, noticiou o fato ainda no dia 24 de abril. Foram incontáveis as manifestações de alegria e apreço aos Capuchinhos pela ereção do altar-mor de sua igreja; de igual modo, as homenagens se estenderam também à Ordem Terceira, que levou a cabo tal ideia. Por tudo isso, adentremos na bela página histórica, para percorrer os caminhos que levaram a esta realização.
“Esta noite não consegui dormir!”
Há algum tempo, urgia no coração de muitos fiéis e colaboradores dos capuchinhos e da Ordem terceira o anseio de que a igreja de São Francisco fosse adornada com um imponente e monumental altar, digno das basílicas romanas. Assim que Frei Cosme de Borno acabara de assumir a guardiania do Convento Auxilium Christianorum e a reitoria da igreja-santuário de São Francisco, aumentaram as expectativas, sobretudo da parte dos irmãos terciários. Toda esta espera culminou quando a ministra da OFS local, a senhora Hermínia Távora, contando com a preciosa ajuda de seu esposo, apresentou-se a frei Cosme e falou-lhe: “Esta noite não consegui dormir”; explicou, em seguida, no seu colóquio com o guardião, que “não se conformava com a ideia de não se conseguir construir um altar digno do Seráfico Pai São Francisco”. Ali mesmo, a distinta senhora finalizou orgulhosamente: “para tal mesa trabalharei incessantemente!”. Frei Davi, em sua reportagem, dizia que não sabia “se a ministra da OFS bateu com os pés ou deu as costas, no jeito clássico da ‘zanga’, levada pelo fogo do entusiasmo por mais uma causa de São Francisco”.[ii]
Na verdade, o altar de São Francisco era uma realidade em anseios, o arquétipo do lugar onde as celebrações na igreja deveriam tomar vida, forma. Não se podiam compreender os altares laterais todos em mármore e o principal, o altar mor... “aquela tijolada”.
Assim, os desejos da Ordem Franciscana, expressos na pessoa de sua ministra local, uniram-se aos de Frei Cosme, que, além de guardião e reitor, ainda acumulava o serviço de assistente da Custódia. Frei Cosme, antes de assumir o posto do guardianato, trazia em sua alma “ardente e generosa” o plano de deixar, durante sua simpática e marcante gestão, um altar monumental, digno das celebrações litúrgicas na Igreja dos Capuchinhos e limpar o madeirame que circundava a praça da igreja, entre a Avenida Conselheiro Furtado e a Travessa Castelo Branco, substituindo-o por um muro de verdade, de Cobogós.
Um milhão de cruzeiros?!
Diante da surpreendente proposta da Ordem Franciscana, Frei Cosme viu logo que não estava mais em Esperantinópolis (sua querida e desencantada paróquia, que a reassumiu até mesmo depois de Custódio), certificando-se, após um período de adaptação ao novo campo de apostolado, de quanto podia realizar no Santuário de São Francisco, para maior glória de Deus e salvação das almas.
Os temores e escrúpulos já haviam feito um guardião em épocas anteriores acovardar-se diante da necessidade da pintura da igreja em 1947, por considerar este serviço “por demais dispendioso”.
Diante de tantas circunstâncias, não havia como fugir da raia, era Frei Cosme quem deveria ser o realizador da importante ereção do novo altar de São Francisco. Mas, onde encontrar um milhão de cruzeiros??? O Poverello de Assis, que abominava a pecúnia, pela primeira vez na história da igreja que leva o seu nome, deixou a solidão e foi visitar os seus devotos, em algumas residências onde graças extraordinárias foram mais tarde testemunhadas. Aqui lembramos o caso de certo advogado, que sendo ateu, ao receber do companheiro de oficio um envelope-pedido de São Francisco, amassou-o e em seguida o jogou ao lixo, e, numa impressionante expressão de arrependimento, lançou-se imediatamente ao cesto de lixo e pôs no envelope uma considerável quantia, devolvendo ao seu colega, que mansamente o havia convidado a fazer parte do círculo dos doadores do augusto altar.
E foi assim, que aos poucos, o Santo do povo teve seu altar doado pelo povo. Conseguido o dinheiro necessário, o passo seguinte foi contratar a firma que iria fornecer o mármore para a construção do altar.
Conforme uma carta, datada de 31 de maio de 1957, a marmoraria descrevia com detalhes a execução da obra de arte:
“Foi executado em mármore travertino-romano italiano com colunas e aplicação de ‘Onis’ e outros mármores estrangeiros de côr (sic).
Um relevo de mármore Carrara foi executado em grande painel central, representando a clássica Ceia do Senhor, de Leonardo da Vinci.
O Tabernáculo tem artística porta de bronze polido com símbolo Eucarístico.
Há um artístico trono para Exposição do Santíssimo, com cúpula revestida interna e externamente em artístico mosaico de mármore.
Quatro grandes colunas sustentam a meia-cúpula revestida de pastilhas de ouro, em cujo interno estão representadas talvez com pouco rigor teológico os sete Sacramentos.
Finalmente, dominando tudo, São Francisco abraçado ao Cristo Crucificado que largou a Cruz a dextra para poisá-la sobre o “Alter Christus” (sic)”
No final do texto especial dedicado ao acontecimento, Frei Davi comunicava a data da inauguração do “mais belo Altar de São Francisco no Pará, para o maior encanto do seu Santuário: 18 de Maio”. A circunstância solene ainda seria abrilhantada com a presença do governo da Custódia Provincial, os Assistentes, os bispos Prelados de Grajaú Dom Emiliano Lonati e Carolina, Dom Cesário Minali. Frei Davi concluía com um singelo agradecimento, expressando que seria “inútil dizer da gratidão dos Frades para com os benfeitores, grandes e pequenos, do altar do nosso seráfico Pai”.
O Altar em sua mensagem de arte, cheia de elevação e simplicidade franciscanas parece gritar:
“Graças à revolta” da gloriosa Ordem Terceira do Santuário de São Francisco de Belém, e à teimosia do ilustre membro da Comissão de Arte Sacra da Arquidiocese do Pará, EU SOU! – Belém, 24 de abril de 1958”.
O dia da festa
O tão esperado dia da inauguração do altar-mor chegara, e não foram poucas as manifestações de júbilo e contentamento da parte do povo católico belemense que chegava ao santuário. Toda a função litúrgica foi presidida pelo Arcebispo metropolitano Dom Alberto Gaudêncio Ramos. Representando o então Custódio Provincial Frei Adolfo de Sexto San Giovanni (que naquela data se achava em Parnaíba-PI) estavam Frei Sigsmundo de Ombriano e Frei Arialdo de Levrange. O custódio dirigiu a seguinte mensagem, lida na ocasião:
“Realizam-se desta maneira os desejos e as aspirações do povo que frequenta o santuário dos devotos de São Francisco e principalmente da Ordem Terceira e dos religiosos que aí vivem e que por aí passaram. O vosso zelo pela Casa de Deus, o vosso amor ao Seráfico Pai tornou consoladora realidade o que a mim mesmo e a outros parecia uma idéia arrojada demais, um empreendimento quase impossível de se executar em nossos tempos. É, pois de toda justiça que eu me congratule com o dinâmico e esforçado Diretor, e com todos os membros da Ordem Terceira do santuário que vai ser consagrado juntamente com o novo altar, e que a todos os benfeitores envie o meu mais sincero agradecimento.
O Seráfico Pai vos abençoe hoje e sempre, do alto do altar que lhe preparastes e no vetusto Santuário, agora consagrado, solenemente ao culto de Deus, a vossa alma encontre sempre luz e conforto, e a graça da proteção divina.
São os votos que de todo coração eu formulo, invocando sobre todos a Benção Seráfica.”[iii]
Parnaíba, 7 de Maio de 1958
Fr. Adolfo de Sexto S. João, Custódio Provincial.
Até mesmo o Ministro provincial da Lombardia, Frei Romano de Como, enviou suas congratulações em nome dos co-irmãos lombardos, que no outro lado do oceano acompanhavam com as orações este memorável dia. Entre tantos elogios e reconhecimentos, o provincial escreveu:
“Os diletíssimos Terceiros Franciscanos de Belém não podiam escolher maneira melhor para comemorar o 50º aniversário da fundação da sua Congregação; fazemos votos que esta bela circunstância, seja ocasião e motivo para um florescimento sempre maior e mais abundante o espírito, das obras e das atividades da esplêndida Congregação da principal cidade do Pará.”[iv]
Desta forma, celebrou-se com toda a pompa e solenidade a dedicação do precioso altar. Os religiosos mandaram edificar uma lápide, que se encontra atrás do mesmo; é a testemunha do solene acontecimento.
Nada mais fácil do que ter idéias.
Nada mais difícil do que realizá-las!...
Frei Joacy Fernandes, OFM Cap
Belém do Pará, 27/01/2018!
[i] ARQUIVO PROVINCIAL DO MARANHÃO. Livro Tombo da Custódia, A/I/7; fl. 61v.
[ii] MIRITIBA, Frei Davi de. O novo altar do Santuário de São Francisco em Belém. In: __ A voz de São Francisco. Edições << A Voz de São Francisco>>. Ano XIX. Fortaleza: 1958. p. 105-106.
[iii] Ibid, p. 107-108.
[iv] Ibid, p. 107.