Bem-aventurado Bernardino de Feltre
Sacerdote da Primeira Ordem (1439-1494). Aprovou seu culto Inocêncio X no dia 13 de abril de 1654.
Martinho, como foi chamado no batismo, nasceu em 1439, em Tomo, lugarejo minúsculo, distante alguns quilômetros de Feltre (na região de Belluno, na Itália). Foi o primogênito de dez irmãos, todos filhos do nobre e abastado Donato Tomitano e de Corona Rambaldoni, prima do célebre educador Vittorino de Feltre. Criança precoce, ávido de leituras, Martinho se mostrou dotado de grande memória desde os primeiros estudos humanísticos, tanto que aos onze anos lia e falava corretamente o latim. Cresceu numa família bem estruturada e de nível culturalmente elevado e, assim, conseguiu adquirir um espírito de discernimento diante de comportamentos sociais da época.
Também em Pádua, onde estudou Direito, fez-se admirar pela seriedade de sua conduta e acuidade de suas reflexões. Profundamente tocado pela morte repentina de três de seus professores universitários, pelos quais sentia-se profundamente amado e ao mesmo tempo conquistado pela pregação que São Tiago das Marcas fazia na catedral de Pádua, Martinho interrompeu os estudos a 14 de maio de 1456 e tomou o hábito dos Frades Menores no Convento de São Francisco das mãos de Frei Tiago. Este, para honrar São Bernardino de Sena, deu a Martinho o nome de Frei Bernardino.
O pai desse jovem de 17 anos tentou demovê-lo da ideia de se tornar franciscano. Martinho, no entanto, tinha plena convicção de sua vocação, a respeito da qual nunca teve dúvidas. Em suas posteriores pregações, gostava de abordar o tema:Nolite diligere mundum. Começando um rigoroso tempo de noviciado no Convento de Santa Úrsula, fora de Pádua, Frei Bernardino se propôs a imitar o espírito do santo que era seu patrono celeste, vivendo uma vida santa e dedicando-se à pregação.
Terminados os estudos de teologia, foi ordenado sacerdote em 1463. Depois de ter ensinado gramática durante certo tempo, a 19 de maio de 1469 foi nomeado pregador. Atemorizado com esta incumbência, pediu que os superiores o dispensassem desta função alegando saúde frágil, timidez e mesmo dizendo ser de baixa estatura. No dia seguinte, festa de São Bernardino, foi lhe solicitado que fizesse um discurso sobre o santo. Fê-lo com ardor e força a tal ponto que as pessoas ficaram admiradas. A partir de então começou sua atividade de pregador itinerante percorrendo a Itália centro e sul sem calçados, mesmo em condições atmosféricas desfavoráveis.
Defensor dos pobres, impávido combatente contra usurários e hereges, apóstolo iluminado do Monte da Piedade, era solicitado para pregar nos principais púlpitos da Itália. Causava maravilha o fato que ele, homem tão frágil, minado pela tísica, resistisse a constantes ataques, insídias e adversidades de quantos, tanto usurários quanto judeus, tentavam eliminá-lo ou fazê-lo calar. Muitas cidades o chamavam e chegavam a pedir a intercessão do Papa para que ele pregasse em suas igrejas. Em 1481 foi nomeado pregador apostólico in forma solita e, em 1484, pregador apostólico in forma maiori.
Graças à obra de seu fiel confrade, Frei Francesco Bernardino Bulgarino, foram conservados os ciclos mais importantes de sua pregação que, com as clássicas denominações Nolite diligere mundum; Attende tibi e Habe illius curam, oferecem as chaves mais significativas de sua oratória contra a corrupção, pela reforma dos costumes em todos as camadas sociais. Bernardino era um pregador vivo, corajoso, franco. Levava seus ouvintes a colaborarem na vida da comunidade, a começar pelos políticos que ele condenava cada vez que estes administravam a coisa pública em vista de seus interesses pessoais.
Partindo sempre da Sagrada Escritura, sem desprezar o testemunho do pensamento clássico, adaptava-se aos ouvintes e às circunstâncias. Prendia a atenção de seus ouvintes com exemplos da vida cotidiana, ora falando da injustiça e avidez dos ricos, ora a falta de pudor das mulheres ou da tão difundida ilegalidade.
A década de 1484-94 representa o período da mais intensa atividade oratória desenvolvida pelo bem-aventurado a serviço da solidariedade, defesa dos pobres e dos oprimidos com a fundação ou reforma dos Montes da Piedade contra a usura frente à qual foi inflexível, enfrentando lutas terríveis, como em Trento (1476), Florença (1488) e Milão (1491). Condenava sem medo e em termos atuais o exasperado individualismo, criticando a validade ética da riqueza quando esta é instrumento de injustiças sociais.
No contato cotidiano com as categorias sociais da época, Bernardino havia chegado à conclusão que o monopólio do capital monetário nas mãos de alguns poucos, a qualquer denominação religiosa a que pertencessem, terminava por anular o direito de trabalho dos mais necessitados, muitas vezes paralisados em suas iniciativas devido ao alto custo do dinheiro. A esta ideia, simples mas profunda, se unia a verdadeira e específica função dos Montes de Piedade que foram um instituto caritativo e beneficente, mas sobretudo um instrumento de retificação de todo o sistema econômico, através de uma equitativa distribuição dos recursos financeiros postulados pelas sadias forças produtivas contra a erosão do empréstimo privado. Por isso, o Bem-aventurado Bernardino de Feltre é elencado entre os grandes sociólogos do Renascimento.
Em Vicenza, durante a pregação do Advento de 1492, exortou a cidade a fundar uma “Companhia” para socorrer os “pobres envergonhados”, envolvendo de modo especial no empenho os nobres e os ricos. Pregou com tanto ardor que conseguiu a fundação da Companhia do Nome de Jesus, cujos estatutos foram depois reformados por um seu confrade, o venerável Antônio Pagani. Morreu a 28 de setembro de 1494. Foi venerado ininterruptamente em Pávia e em Feltre e, em 1654, o Papa Inocêncio X decretou sua beatificação.
Tradução e adaptação do livro Frati Minori Santi e Beati, publicado pela Postulação Geral da Ordem dos Frades Menores, Roma, p. 196-199.